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segunda-feira, 30 de abril de 2012

Perdas e Ganhos - Parte 3



A viagem estava demorando mais do que ele achava que demoraria. Pelas suas contas, ele tinha ficado por quase dois anos naquele carro. Até tentou dormir e descansar um pouco. Mas sua cabeça estava tão agitada que não conseguia parar nem por um minuto de pensar. Por que fez aquilo? Por que havia beijado seu melhor amigo? Se até no rosto seria estranho, imagine na boca! E de língua! Nunca que essa cena passaria por sua cabeça. Mas, ironicamente, essa era a única cena que se repetia incansavelmente em sua mente.
E a recriava ali, na sua frente, de novo: após tentar beijar João, sente um empurrão. “O que que você tá fazendo, Edu? Você tá louco?”. Eduardo ficou sem reação, por um instante de tempo pensou que o amigo iria corresponder o beijo. Mas nada mais podia fazer, a não ser correr. Correr pra bem longe dali. E foi isso que fez, sem nem mesmo responder a pergunta. Abriu a porta e saiu, correndo. Lágrimas caiam de seus olhos. Fazia muito tempo que não chorava assim, a última vez havia sido há dez anos, quando seu avô morreu. E nem ligava de todos verem ele naquela situação. Ficaria um bom tempo sem ver toda aquela gente fofoqueira, pelo menos isso! Correu tão rápido que nem virou para trás para se despedir daquilo tudo ou ver se João o acompanhava com os olhos. Não estava mais importando com isso. Aliás, não estava mais nem aí pra nada. Queria que aquela cidade toda se explodisse. Chegou em casa, seus pais nem se importaram em ver que o filho estava com o rosto todo vermelho, de tanto chorar. Pensaram em tudo, desde saudades antecipadas de sua vida ali, até o arrependimento de ter terminado com Ágata. Nunca suspeitariam do que o filho acabara de fazer, mesmo se ele mesmo contasse pra eles, o que ele não faria.
Não demoraram muito para pegar a estrada e ele, agora, estava lá. Envolto em todos esses pensamentos. Sabia que não era gay. Não podia ser. Um beijo não representava nada. Numa das poucas aulas de Sociologia que foi, viu que em algumas sociedades era normal os homens se cumprimentarem com um beijo. No rosto. Tudo bem que o dele não foi exatamente onde eles costumam dar, mas teve o mesmo significado. Pelo menos era o que repetia exaustivamente para si mesmo. Quem sabe assim iria acreditar no que dizia. Mas mesmo se repetisse que não teve nenhuma intenção naquele beijo, ele não conseguiria se convencer disso. É lógico que ele tinha sentimentos por João, há um bom tempo, diga-se de passagem. Só não conseguiria assumir isso pra si mesmo.
Pensava que essa nova fase ia servir para que ele se esquecesse desses pequenos deslizes que cometeu e começar uma nova vida. Prometeu para si mesmo que não voltaria mais naquela cidade. Parecia uma ideia absurda ver João de novo, iria morrer de vergonha, não saberia onde enfiar a cabeça. Portanto, evitar ir àquela cidade pareceria a melhor solução. Além disso, os padres do novo colégio se encarregariam de colocar um pouco de Deus na sua cabeça e, quem sabe assim, Eduardo ia poder se livrar dessa doença que o assolava há tanto tempo, pensava ele. Lógico que continuaria não contando nada sobre isso pra ninguém, não suportava a ideia de alguém saber de sua falha. Nem mesmo desse quase-beijo.
Seria difícil ficar longe das meninas, já que o colégio era feito somente para garotos. Já que para arrumar esse seu defeito, precisava ter uma daquelas noites com umas piriguetes. Noites essas que rolava de tudo, tudo mesmo. Levava as meninas aos céus, mas ele dificilmente se sentia satisfeito com aquele tipo de programa. Mas sempre insistia, dava sempre uma desculpa para si mesmo. Ou estava indisposto, ou bêbado, ou a menina não era tão bonita assim. Mas nunca sentia vontade de repetir. Mas só repetindo que ele iria ser curado, o que nunca acabava acontecendo.
Finalmente, depois de quase cinco horas de viagem, Eduardo e os pais chegaram ao novo colégio. Era um lugar grande, repleto de verde, tinha até um campo de futebol aos fundos. Pelo menos futebol ele poderia jogar! Até começou a ver o lugar com novos olhos. Quem sabe até gostaria de lá?
 O padre Roberval foi o responsável por levar o garoto para seu quarto. Ele dividiria o local com mais oito meninos, todos vindos de algum lugar diferente do país. Cumprimentou os novos colegas de quarto, obtendo só olhares nada receptivos. Parecia que os meninos não estavam contentes em ter Eduardo lá. Foi só o padre sair do local que se juntaram todos e foram tirar satisfação com ele. Quase nunca sentia medo, mas dessa vez foi inevitável. Pela primeira vez desde que saiu de sua cidade, desejou nunca ter desobedecido aos seus pais.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Alô?


Sabia que ele não ligaria. Nunca ligavam, já devia estar acostumada. Logo esse, que parecia ser tão diferente dos outros. Mas sabia que todos os homens eram iguais. TODOS. Sem tirar nenhum. Todos vinham com aquela mesma ladainha de ligar no outro dia. Mas nunca. Esses outros dias se estendiam pra semanas, até meses, dependendo da intimidade que ela havia tido com o cara em questão. Pensava que talvez ele estivesse muito ocupado, ou até esquecido de ligar, coisas normais nesse nosso mundo corrido de hoje. Nunca dava o braço a torcer. Arrumava desculpas para a falta de ação dos então pretendentes.
Não era uma menina feia, mas também não era uma das mais exuberantes. Ela era, digamos, bonitinha, apenas.  E era consciente disso. Mas não podia ser por esse motivo que eles nunca ligavam no dia seguinte... Havia visto tantos homens, inclusive aqueles que ela já tinha ficado, com outras mulheres tão mais feias que ela. Então, o que seria dessa vez? Ele se mostrara tão empenhado em ligar para ela na noite anterior. Foi muito bom o tempo que passaram juntos. Não se lembrava de uma noite tão agradável como a de ontem. Tudo bem que já tinha quase um mês que só colocava os pés para fora de casa para trabalhar, mas não importava. Será que tinha dado o telefone errado? Pode ser! Não, não, ela tinha certeza que ele repetiu o número para ela, e tava certo. Mas então... O que poderia ser? Não era possível que os homens eram tão mentirosos assim.
Talvez ele estava quase ligando para ela no meio da rua, quando foi interceptado por um ladrão, que roubou seu celular. Assim, ele perdeu o telefone e não tinha como ligar mais pra ela! Ou, quem sabe, seu cachorro comeu o celular?! Sentou no sofá e pensou que suas suposições estavam ficando cada vez mais loucas. Mas não aceitava, sob nenhuma circunstância, que eles estariam a dispensando. Acabou envolvida nos seus devaneios, que dormiu ali mesmo, do lado do telefone. Acordou com ele tocando. Toda esperançosa, atende. No mesmo momento, sente o cheiro de queimado dentro de casa. No telefone, era o porteiro, avisando que sua casa estava pegando fogo. Havia deixado o jantar romântico no forno.

sábado, 21 de abril de 2012

Perdas e Ganhos - Parte 2



Durante o percurso, o guarda foi fazendo perguntas para Eduardo. Ele respondia tudo com a maior sinceridade. Dizia que não gostava de gays e que eles tinham mais é que morrer mesmo. Que estavam atrapalhando a visão dele e que bateriam neles de novo. Quantas vezes forem necessárias.
Enquanto isso, João ligou para os pais do amigo. A bronca no menino foi inevitável, já que ele ajudara o amigo a sair do castigo. Ainda assim, o menino criou coragem e contou para eles o que houve no rodeio. A mãe de Eduardo ficou impressionada. “Detiveram meu filho só por causa disso?”, disse ao telefone. Assim, estava explicado o preconceito do filho. Ele fora educado numa família onde as diferenças nunca eram aceitas. Todos deveriam ser iguais, seguir uma mesma receita. Mas João não era assim. Apesar de ser heterossexual, fora criado em um ambiente onde todos se respeitavam, não importasse a classe social, religião, cor ou orientação sexual. Mas ficou quieto, não queria queimar mais seu filme com a mãe do melhor amigo.
Finalmente, Eduardo chega à delegacia. Pega o telefone e liga para casa. Ninguém atendia, certamente já estavam a caminho. “João deve ter contado para eles. Merda! Tô mais ferrado do que eu pensava”, pensou o garoto. Não demorou muito para que eles chegassem ao local. A cara de desaprovação dos pais era certa. Não pelo que ele fez na festa, mas pelo fato de Eduardo ter os desobedecido. Conversaram com o delegado e, como era menor de idade, conseguiram levar o filho para casa sem maiores preocupações.
Em casa, os pais têm uma conversa séria com Eduardo. Falam que estão completamente desapontados com ele, que tenta se explicar. Em vão, pois eles não deixam que uma simples palavra saia da boca dele. E tomam uma decisão que mudaria a vida do garoto para sempre: ele iria pra um colégio interno. Segundo eles, esse era o único jeito de ele colocar mais juízo na cabeça. Eduardo relutou, relutou, mas de nada podia fazer, os pais já estavam com a cabeça formada. Ele não imaginava sua vida fora daquele lugar. Vivera sempre ali. Viajava raramente. Pensou que não ia dar conta. O que seria dele agora? Como iria viver sem seu futebol? Sem seu skate? Sem as mulheres? Perguntas e mais perguntas foram pipocando na cabeça. Sem nenhuma resposta consistente. A sua vida a partir de então era incerta. Parou e pensou. Já estava no primeiro ano do Ensino Médio. Só teria que aguentar aquele lugar por mais dois anos. E, depois disso, LIBERDADE! Já seria maior de idade e poderia mandar na própria vida. Pelo menos era o que pensava ele.
Sua partida estava marcada para o próximo final de semana. Tinha exatamente uma semana para se despedir de tudo o que o cercou nesses poucos, mas bem vividos, anos de vida. Nem sabia por onde começar. Decidiu, pela primeira vez na vida, frequentar corretamente as aulas de seu agora antigo colégio. Tentou até superar sua raiva e conversar com a ex Ágata, mas não conseguiu. Era fútil demais aquela menina. Deixou falando sozinha.
Ainda estava chateado com João, pois segundo Eduardo, ele sozinho daria um jeito de escapar da polícia. Mas, mesmo assim, não sabia quando veria o melhor amigo mais uma vez. Então, resolveu relevar e fez as pazes com ele. Não sabia se no novo colégio ele iria ter um amigo como João, mas acreditava que não. Eram amigos há mais de dez anos. E nesse tempo todo, só ficaram sem se ver por apenas dois dias. Quando João teve que ir para Belo Horizonte ver umas primas que estavam morando na Inglaterra e estavam na cidade para visitar a família.  De resto, todos os outros dias estavam os dois lá, juntos. Quem não os conhecia, podia até pensar que era um casal de namorados, de tão grudados que eram. Apesar de que era muito suspeito eles passarem tanto tempo juntos assim.
A semana passou num piscar de olhos. Eduardo já estava com saudades daquele lugar e daquelas pessoas. Até de sua família ele sentia falta. Não sabia o que esperar de sua nova escola, de seus novos colegas.
Era sábado e ele precisava ir. Foi até a casa de João para se despedir do melhor amigo. Estava sozinho, seus pais tinham ido para o mercado. Deram um longo abraço, um abraço de quem sabe que não vai ver o outro tão cedo. Então, Eduardo se despediu mais uma vez e, num ímpeto, beijou o amigo na boca.

domingo, 15 de abril de 2012

Perdas e Ganhos - Parte 1


                                             

Era ele. Eduardo. Educado numa tradicional família do interior de Minas Gerais, nunca teve dificuldades. Sempre tinha o que pedia, fossem brinquedos, comidas. Nem mesmo carinho lhe faltava. Os seus pais eram muito amorosos, principalmente por ele ser o filho mais novo do casal. Seu único irmão, Paulo, dez anos mais velho, já havia saído de casa há algum tempo para cursar a faculdade de Direito. Assim, as atenções dos pais, já velhos, se voltaram todas para Edu, como lhe chamavam. Morava em casa também a avó, mãe da mãe de Eduardo e o cachorro mascote, Brutus. A família, religiosa ao extremo, ia a todas as celebrações da igreja, incluindo a missas aos domingos. Eduardo, como quase todos os jovens de quinze anos, não gostava de ir, mas cedia às pressões da avó, pois tinha pena dela, já muito velha e doente.
Na escola, o garoto era muito popular. Capitão do time de futebol da escola, costumava fazer os gols que levavam a equipe para a vitória. Fazia sucesso com as meninas. Namorava Ágata, a típica patricinha. Loira, não assumia que seus olhos eram castanhos escuros, usando sempre uma lente azul. Tinha quatorze anos, mas usava típicas roupas de adulta. O namoro estava fazendo um ano, quando a menina descobriu que Eduardo havia ficado com uma menina no vestiário, logo após o último jogo que ganhou. Ágata fez um escândalo quando soube, mas, em poucos dias, estava correndo atrás do jogador para que eles reatassem. Mas Eduardo, que só a namorava por pressão dos pais, nem quis saber. Falou com ela que não voltaria. Queria mais liberdade e que ela não saía do pé dele. E que estava muito bem assim solteiro. A menina ficou arrasada, foi para o bar e bebeu até que alguém a viu e a levou para casa. Os pais de Ágata, quando souberam da atitude da filha e do motivo por ela ter feito isso, bateram na casa de Eduardo e contaram toda a história para os pais do garoto. Como resultado, eles o deixaram de castigo: um mês sem poder sair de casa e usar o computador. Porém, Eduardo nunca levava as coisas que seus pais falavam a sério e sempre arrumava um jeito de burlar os castigos que eles o colocavam. E dessa vez não foi diferente.
Logo no fim de semana depois do incidente, haveria uma festa numa cidade vizinha. Um rodeio. Eduardo nem era tão fã dessas festas, mas se tinha agito, lá estava ele. E, lógico, não ficaria fora desse. Ligou pro seu amigo, João e pediu que o ajudasse a escapar de casa. Arrumou a cama, colocando travesseiros debaixo dos lençóis, simulando o corpo. Ele já havia visto isso em algum filme, quem sabe daria certo? Arrumou, colocou sua botina e sua camisa xadrez. Logo, João chegou trazendo uma corda. Lançou para a janela e Eduardo, assim, conseguiu sair do seu quarto sem ser visto pelos pais ou pela avó. Se cumprimentaram e foram pegar o ônibus para a cidade onde aconteceria o rodeio.
Era sábado, oito horas da noite. O parque de exposições estava lotado. Muitas gatinhas e os dois já tinham ficado com mais de três. Era ainda um número muito razoável para a dupla, que fazia sucesso em toda parte que fossem. De repente, os dois se deparam com dois homens trocando carícias, nada muito explícito. Num ímpeto, Eduardo partiu para a cima deles, dando socos e murros. João tentou tirar o amigo dali, mas como ele era muito forte, não pode fazer nada. Enquanto isso, as vítimas de nada puderam fazer para sair daquela situação. Todas as pessoas em volta pararam para olhar tal cena de ignorância, mas ninguém teve coragem de separar a briga, até que dois guardas chegam e levam o garoto para a delegacia.


CONTINUA

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Vamos construir


Sabe quando você se sente tão sozinho que nada e ninguém consegue te mudar e reverter essa situação? Mesmo rodeado de várias pessoas, como uma ilha, você não se vê completamente preenchido. Falta algo. E essa ilha, que deveria ser um ecossistema completo e independente de outros, começa a não ser mais individualizada. Uma simples ponte, de madeira, que seja, mas capaz de dar outro sentido à vida nessa ilha. Uma ponte de ligação, que será capaz de transportar elementos do continente. E também de levar a essência da ilha para o grande mundo. Será que é tão difícil construir essa ponte?
O caminho para o recolhimento da madeira é árduo, deve-se escolher somente os melhores materiais, já que, ainda simples, a ponte não deve romper facilmente. Assim, os dois elementos - a ilha e o continente - serão danificados e isso provocaria danos irreparáveis. Várias madeiras podem passar pelas delimitações da ilha, mas devemos ser cuidadosos para escolhermos a certa. A busca pelo material perfeito nem sempre é fácil. Muitas vezes temos que adaptar o material disponível e assim fazer a construção. Só que essa adaptação nem sempre é benéfica, já que esperamos que tal material se comporte como o que pensamos anteriormente. Não vemos que cada um tem suas propriedades individuais e se comportem de maneiras distintas. E, talvez, o material que menos esperamos que dê certo, é aquele que mais se adapta à dinâmica da sua ilha.
Desse modo, a construção deve ser feita. Dia após dia, conhecendo casa parte do material escolhido, de modo que ele, depois de um tempo, se torne parte da ilha e não seja visto apenas como uma ligação vazia ao mundo novo do continente. Mostrando o motivo de sua presença, aumentando as interações e agregando novos elementos ao continente e à ilha. Modificando-os completamente. Só uma ponte assim será capaz de alterar meu estado de solidão. Então, vamos construir?