A viagem estava demorando mais do que ele achava que
demoraria. Pelas suas contas, ele tinha ficado por quase dois anos naquele
carro. Até tentou dormir e descansar um pouco. Mas sua cabeça estava tão
agitada que não conseguia parar nem por um minuto de pensar. Por que fez
aquilo? Por que havia beijado seu melhor amigo? Se até no rosto seria estranho,
imagine na boca! E de língua! Nunca que essa cena passaria por sua cabeça. Mas,
ironicamente, essa era a única cena que se repetia incansavelmente em sua
mente.
E a recriava ali, na sua frente, de novo: após tentar beijar
João, sente um empurrão. “O que que você tá fazendo, Edu? Você tá louco?”.
Eduardo ficou sem reação, por um instante de tempo pensou que o amigo iria
corresponder o beijo. Mas nada mais podia fazer, a não ser correr. Correr pra
bem longe dali. E foi isso que fez, sem nem mesmo responder a pergunta. Abriu a
porta e saiu, correndo. Lágrimas caiam de seus olhos. Fazia muito tempo que não
chorava assim, a última vez havia sido há dez anos, quando seu avô morreu. E
nem ligava de todos verem ele naquela situação. Ficaria um bom tempo sem ver toda
aquela gente fofoqueira, pelo menos isso! Correu tão rápido que nem virou para
trás para se despedir daquilo tudo ou ver se João o acompanhava com os olhos.
Não estava mais importando com isso. Aliás, não estava mais nem aí pra nada.
Queria que aquela cidade toda se explodisse. Chegou em casa, seus pais nem se
importaram em ver que o filho estava com o rosto todo vermelho, de tanto
chorar. Pensaram em tudo, desde saudades antecipadas de sua vida ali, até o
arrependimento de ter terminado com Ágata. Nunca suspeitariam do que o filho
acabara de fazer, mesmo se ele mesmo contasse pra eles, o que ele não faria.
Não demoraram muito para pegar a estrada e ele, agora,
estava lá. Envolto em todos esses pensamentos. Sabia que não era gay. Não podia
ser. Um beijo não representava nada. Numa das poucas aulas de Sociologia que
foi, viu que em algumas sociedades era normal os homens se cumprimentarem com
um beijo. No rosto. Tudo bem que o dele não foi exatamente onde eles costumam
dar, mas teve o mesmo significado. Pelo menos era o que repetia exaustivamente
para si mesmo. Quem sabe assim iria acreditar no que dizia. Mas mesmo se
repetisse que não teve nenhuma intenção naquele beijo, ele não conseguiria se
convencer disso. É lógico que ele tinha sentimentos por João, há um bom tempo,
diga-se de passagem. Só não conseguiria assumir isso pra si mesmo.
Pensava que essa nova fase ia servir para que ele se
esquecesse desses pequenos deslizes que cometeu e começar uma nova vida. Prometeu
para si mesmo que não voltaria mais naquela cidade. Parecia uma ideia absurda
ver João de novo, iria morrer de vergonha, não saberia onde enfiar a cabeça.
Portanto, evitar ir àquela cidade pareceria a melhor solução. Além disso, os
padres do novo colégio se encarregariam de colocar um pouco de Deus na sua
cabeça e, quem sabe assim, Eduardo ia poder se livrar dessa doença que o
assolava há tanto tempo, pensava ele. Lógico que continuaria não contando nada
sobre isso pra ninguém, não suportava a ideia de alguém saber de sua falha. Nem
mesmo desse quase-beijo.
Seria difícil ficar longe das meninas, já que o colégio era
feito somente para garotos. Já que para arrumar esse seu defeito, precisava ter
uma daquelas noites com umas piriguetes. Noites essas que rolava de tudo, tudo
mesmo. Levava as meninas aos céus, mas ele dificilmente se sentia satisfeito
com aquele tipo de programa. Mas sempre insistia, dava sempre uma desculpa para
si mesmo. Ou estava indisposto, ou bêbado, ou a menina não era tão bonita
assim. Mas nunca sentia vontade de repetir. Mas só repetindo que ele iria ser
curado, o que nunca acabava acontecendo.
Finalmente, depois de quase cinco horas de viagem, Eduardo e
os pais chegaram ao novo colégio. Era um lugar grande, repleto de verde, tinha
até um campo de futebol aos fundos. Pelo menos futebol ele poderia jogar! Até
começou a ver o lugar com novos olhos. Quem sabe até gostaria de lá?
O padre Roberval foi
o responsável por levar o garoto para seu quarto. Ele dividiria o local com
mais oito meninos, todos vindos de algum lugar diferente do país. Cumprimentou
os novos colegas de quarto, obtendo só olhares nada receptivos. Parecia que os
meninos não estavam contentes em ter Eduardo lá. Foi só o padre sair do local
que se juntaram todos e foram tirar satisfação com ele. Quase nunca sentia
medo, mas dessa vez foi inevitável. Pela primeira vez desde que saiu de sua
cidade, desejou nunca ter desobedecido aos seus pais.