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quinta-feira, 26 de maio de 2011

É preciso - Parte 1

"É preciso brindar o destino
É preciso gritar: 'Começou!'
Se jogar nessa dança na vida
Sem medo do escuro""



Aquele mundo não era o meu. Tentava socializar, mas as pessoas, as conversar, as atitudes não combinavam comigo. E era num lugar desses que eu passava todos os dias da minha vida. Não era nada daquilo que sempre quis pra mim. Mas era o que tinha disponível e eu não podia me dar ao luxo de perder mais um emprego. Todos os outros perdidos graças a minha imensa vontade de fazer aqueles trabalhos chatos. Eu olhava meus colegas fazendo aqueles projetos com tanta dedicação, com tanto amor, e ficava impressionado. Por que não me sinto assim também?
Não posso me culpar por não ter tentado. Tentei. E muito. Foram cinco anos entre um trabalho e outro, sem contar com os cinco de faculdade. Era pra ter sido quatro, mas o meu desinteresse com o curso me fez repetir algumas matérias. Meu pai, enfurecido por ter que pagar mais dois períodos de faculdade, me fez continuar na profissão, arrumando mais e mais entediantes empregos. Dizia que a minha honra seria pagar a "dívida" com ele. Teria que pagar por todo período que estive na faculdade, porque nem tive a capacidade de passar numa federal. Pois é.
Agora estou aqui, sentado na mesa do escritório, olhando pra tela do computador, com um projeto na minha frente, mas nem sei bem o que fazer com ele. Nada mais justo que pensar que estou pagando pelos meus pecados. Um pecado que não é exatamente meu. Não tinha a mínima vontade de estudar para o vestibular da federal, então a solução foi ir para uma faculdade particular. Pelo menos não era qualquer uma de esquina. Era a melhor daqui, mas, quem se importa?
Se teve um período que fui mais infeliz do que sou hoje, foi no meu período como universitário. Não fui a festas, não fiz amigos, mal mal fazia os trabalhos e provas. Não tinha alegrias. Quando chegava em casa, meu pai me chamava para ver os projetos que ele fazia quando era um engenheiro de sucesso. E eu, como um bom filho que sou, sempre prestava atenção sem prestar. Fazia o tipo que meu pai queria que eu fosse. Mas eu não era assim. E não tinha a mínima vontade de continuar sendo assim. Queria me. Meu pai tentava dominar minha vida. Eu, um quase senhor de 30 anos, ainda sendo influenciado pelas ideias paternas. Quer dizer, ele achava que eu era influenciado. Porque a cada palavra relacionada à "nossa profissão", como ele dizia, eu ficava com mais raiva, com mais desgosto daquela situação toda.
Meu plano era terminar de pagar a dívida da faculdade com meu pai e então partir para uma nova vida. Quem sabe viajar pelo mundo? Quem sabe fazer uma faculdade? Mas para isso ainda precisava de dinheiro. E eu sabia muito bem que meu pai não ia me ajudar em nada, Ou seja, teria que trabalhar ainda mais por aqui para, enfim, realizar a minha vontade e assim começar a minha verdadeira vida. Mas e a preguiça de continuar apertando nessa tecla que sei que não está funcionando?
Tenho que terminar logo esse projeto. Daqui a pouco já vai dar a hora de ir e eu nem comecei. Sinceramente, não sei o que é pior. Pelo menos aqui fico sossegado, sem ter meu pai enchendo meu ouvido de tantas baboseiras sobre a "nossa profissão". Aqui pelo menos eu fico na minha, ninguém vem falar comigo e eu não faço questão de falar com ninguém, também.
Faltam 10 minutos para eu ir embora e entregar esse projeto, mas eu nem mexi e nem tenho vontade. Vou ter que ficar por aqui a noite toda para tentar concluir. Mas eu sei que não vou. Sacrificar minha noite toda por algo que eu sei que não vai valer nada. Não posso fazer nada. Preciso pagar a dívida com meu pai logo. Já pensei seriamente em fazer bicos para conseguir mais dinheiro logo pra me ver livre desse encosto. Mas o que? Só tenho "experiência" nessa área. E não me orgulho de nada disso. Não pude nem fazer aula de música quando era criança. Meu pai dizia que era algo a mais pra desviar a atenção do estudo. Para convencer de me colocar no Inglês foi uma luta. Ah, até que poderia ensinar essa língua, hein? Isso se eu tivesse paciência para ensinar. Fora que a falta de prática me enferrujou um pouco e não iria querer fazer feio diante dos meus alunos.
Acrescento algo ao meu projeto. Sou o único ainda no escritório. Peraí, tem uma luz acesa ali perto. Ou será que minha cabeça está começando a ficar louca de tanta coisa que eu tô pensando? Não, não é ela não. Tem mesmo uma luz acesa. E é a da sala do meu chefe. Num susto, vejo ele sair de lá e vir falar comigo: lá vem.

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